As cores da masculinidade
Estranho falar que masculinidade tem cor — mas, quando pensamos nos empecilhos que o preconceito impõe ao homem negro, percebemos que há um padrão em que ele não se encaixa. Quer saber por quê? A gente explica.
20/11/2022
Bom, vamos fazer um teste: primeiramente, pense em uma autoridade política e, em seguida, pense em um empresário de sucesso.
Alguma dessas figuras era negra? Provavelmente, não. O “ser homem” está no imaginário coletivo como “ser homem branco”. Masculinidade e branquitude estão no mesmo grupo.
O psiquiatra e filósofo político Frantz Fanon certa vez afirmou que “o negro não é um homem”. O questionamento que fica é: então, ele é o quê?
Essa afirmação mostra como a subjetividade e a humanidade são constantemente negadas ao homem negro.
Esse homem está sempre tentando alcançar uma identidade em que ele não se encaixa, pois ela é branca. Ele está sempre correndo rumo a uma linha de chegada que fica cada vez mais distante…
Há pódio para o homem negro, ou… a democracia racial é mito?
Para o fotógrafo Roger Cipó, “há uma diferença central na discussão sobre masculinidade, pois nós, homens pretos, temos debatido esse tema para reivindicar a humanidade que o racismo nos nega, ao mesmo tempo que sinalizamos que a construção do que é ser homem instituída pelo homem branco não diz respeito a nós”.
Foto: Raul de los Santos | Unsplash.
Então, sim, a masculinidade tem cor — e não é preta.
É óbvio que homens negros e brancos têm vivências completamente diferentes, e está aí um ponto para refletirmos sobre o Dia da Consciência Negra e o motivo por que precisamos dela.
Os dados, inclusive, provam essa necessidade. Segundo o Atlas da Violência 2020, por exemplo, a taxa de homicídios entre negros cresceu 11,5% de 2008 a 2018, enquanto a de não negros caiu 12%.
Ao todo, os negros somaram 75,9% dos assassinados nesse período, ou seja, para cada indivíduo não negro morto, 2,7 negros são assassinados.
Os números ficam ainda mais alarmantes quando olhamos a faixa etária e o sexo: os homens negros jovens representam mais da metade do número de jovens mortos.
Ser um homem negro não é nada fácil, principalmente no Brasil, onde há um mito de democracia racial.
O tempo inteiro, olhares atentos e racistas pesam sobre o homem não branco, e são esses olhares que moldam as percepções sobre si mesmos.
A oportunidade de criar sua própria narrativa, sua própria identidade, é negada por diversas vezes ao homem não branco, já que sua cor fala antes mesmo que ele abra a boca.
Parece que ser negro é um problema, mas o problema está, na verdade, em quem monitora com olhares racistas: o problema é essa marca do colonizador que pesa, que não deixa o homem negro se reconhecer, se encontrar.
Nessa corrida sem linha de chegada, encontra-se, no lugar do pódio, a frustração de não pertencer, de não ser lido como igual.
O desejo de ser visto se torna ‘desejo ser de branco’, já que fica entendido que é o branco que tem o direito de ir e vir, sem olhares de monitoramento dentro das lojas, sem ser parado a todo momento pela polícia, sem que as pessoas escondam seus objetos perto dele.
Não é apenas sobre cor de pele esse desejo: é sobre direitos, acessos.
Fonte: Mikaala Shackelford | Unsplash.
Quando tudo é negado, a última cartada que sobra ao homem negro pode ser a sexualidade. Desde sempre, o sexo foi validado e potencializado na história do negro no Brasil, contada a partir dos colonizadores.
Mais uma vez, o homem negro foi reduzido, limitado dentro de definições rasas que fazem dele um prisioneiro, e a sexualidade não tem espaço para seguir outro caminho que não seja o heterossexual.
O órgão sexual dá, inclusive, uma falsa impressão de igualdade dentro do círculo masculino. Parece que finalmente o negro será visto como igual… mas é uma cilada, Bino! É só mais uma artimanha que coloca o homem negro em um papel datado, de muito mau gosto, como se ele fosse uma criatura bestial, irracional, incapaz de pensar ‘’com a cabeça de cima’’, como dizem por aí.
Quer um exemplo? Procure a série Olhos que condenam. Ela conta a história de cinco rapazes negros acusados de estuprarem uma jovem no Central Park. Eles ficaram presos por anos e eram inocentes, mas foram apontados como culpados; afinal, o ‘homem negro é uma máquina de sexo potente e incontrolável, não é?’. Vale a pena assistir e se questionar.
Chorar também.
No livro O perigo de uma história única, a autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie escreve: “é assim que se cria uma história única: mostre um povo como uma coisa só, uma coisa só, sem parar, e é isso que esse povo se torna” — e exatamente com essa narrativa, transformaram jovens negros em monstros, com acusações forjadas e falsas.
Como ser antirracista na prática
Apoie profissionais negros
Leia autores negros, prestigie artistas negros.
A falta de oportunidade para pessoas de pele escura é escancarada todos os dias. Apoie o trabalho delas, conheça, divulgue, escute o ponto de vista abertamente para entender suas histórias.
A filósofa Djamila Ribeiro, em seu livro Pequeno manual antirracista, discute a importância de tirar o racismo da invisibilidade e reconhecer expressões que perpetuam o preconceito, entre elas: “negro de alma branca” e “ela é negra, mas é bonita”. Vale a leitura!
Não minimize o racismo
Nosso país é racista e marcado pela falta de representatividade. Então, é muito importante reconhecer que há discriminação e não duvidar ou questionar pessoas negras sempre que elas falam sobre situações que vivenciaram.
Não se esqueça de que o racismo pode ser perpetuado das mais diversas formas, inclusive quando você invalida a violência sofrida por alguém.
Ouça as pessoas e acolha, porque é difícil questionar, afinal, algo que nunca vivenciou. Não é sobre não participar do debate, mas sobre não tornar a dor alheia invisível.
Foto: Good Faces | Unsplash.
Leia o livro Seja homem
Do autor JJ Bola, a obra Seja homem é um chamado urgente para, em conexão com o feminismo e a igualdade de gênero, desvendar e redefinir a masculinidade.
No livro, JJ expõe a masculinidade como uma performance para a qual os homens são socialmente condicionados. O livro conta com prefácio de Emicida.
Estude
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Foto/Destaque: Ayo Ogunseinde | Unsplash.